Neste "Abril de águas mil" o tempo está incerto, a meio desta tarde de Sábado o sol aquece bem mas é uma ameaça de tempestade. Entre os penhascos graníticos as cores da Primavera vão despontando aqui e ali. Quase à chegada o primeiro aguaceiro lembra-me que hoje posso ter de ficar em casa! Vamos ver. Por enquanto só chove nos Codeçais e de além do rio.
Como o tempo meteorológico está capaz de se vingar de percursos longos e o tempo do relógio não pára, vou fazer um passeio pequeno: Barreiro, Ponte das Olgas, Moínhos, Campo de Futebol e Pereiros outra vez. Quero ver o ribeiro num ano de muita chuva como este.
Saio de Pereiros pela Cortinha do Carvalho até ao Barreiro, subo até mesmo ao topo, uma perspectiva da aldeia que já não apreciava há muito tempo. Era aqui que uns dias antes do Carnaval se faziam os "casamentos". Os "casamentos" de Carnaval obrigavam a que houvesse duas equipas de rapazes casamenteiros, uma aqui no alto do Barreiro e outra bem no cimo da aldeia, no alto do Cabeço, mesmo em frente. De forma mais ou menos brejeira, ninguém (por casar) lhes escapava, solteiros, solteirões, solteiras, solteironas, viúvas e viúvos. Por um funil, gritavam-se uns versos, previamente feitos e mantidos em segredo, num diálogo constante entre os dois lados da aldeia, acompanhados de fogo de artifício para fazer a festa. Todo este ritual pagão realizava-se por volta da meia-noite.
O Barreiro e a sua cerca envolvente pertenceu em tempos à nobre e fidalga família Caiado Ferrão. Segundo o meu avô, Adelino Pinheiro, o velho Caiado Ferrão tinha assento nas Cortes em Lisboa e cumpria a sua obrigação vestido de fraque e cartola. Era ele que tinha o gosto pelas plantas exóticas que trazia para sua casa senhorial e respectiva cerca: eucaliptos, lilás, alecrim, oliveira de cheiro e estes cactos.
Do solar falarei mais tarde, o céu está carregado, é tempo de descer o Barreiro até à ponte.
Pelo caminho ainda dá para ver uma torga branca e perfumada, mais rara do que as roxas.
Basta descer a encosta de sobreiros e pinheiros para vermos a ponte atravessando o vale coberto de ervas floridas. Ao fundo a Mata imponente no seu gigantesco anfiteatro de granito.
No alto da Mata destaca-se uma formação granítica curiosa a que as pessoas dos Pereiros chamam a Pena ou a "Mulher Prenhada". A mata com os seus sobreiros centenários e os seus bosques de castanho pertencia também aos Caiado. Em tempos havia medronheiros. Como dizia o meu avô, o "Pedro velho" tinha um óculo e do alto do Barreiro vigiava o pastoreio nos seus domínios até ao alto da Mata. Se alguém ousasse entrar, sem a sua autorização, levava uma "coima", expressão que eu ainda ouvi, várias vezes, à "Amélia do Pedro" que ficou com o uso-fruto de todos os bens.
Da ponte pode observar-se toda a serra donde nascem os ribeiros que a justificaram, os Termos, os Grichos e os Carvalhais. Em anos de muita chuva como este ou durante grandes trovoadas o caudal do ribeiro é assinalável.
Esta ponte ligava a aldeia de Pereiros à sua sede de concelho - Freixiel. Por isso tinha, com certeza, importância política e administrativa. É construída por um fino aparelho de granito de boas dimensões o que lhe dá um aspecto sólido e robusto. Tem um corpo central quadrado bem marcado com um arco único de volta perfeita ou redondo. Deste corpo central prolonga-se para os dois lados, adaptando-se ao vale o que lhe confere uma forma de conjunto arqueada. Esta forma harmoniosa tem também uma função prática, facilita o escoamento das águas pluviais protegendo a ponte das intempéries. Na sua parte superior o caminho é revestido por um lajeado de granito largo que a protege das infiltrações de água.
Um último olhar de conjunto e fiz-me ao caminho, o objectivo é o moinho.
Mesmo em frente ao moinho o ribeiro acalma, as águas ficam mais paradas, formam um poço; era aqui que as mulheres lavavam a roupa e a punham a corar ao sol. Do que mais me lembro era do formigueiro enorme dentro do moinho e das formigas grandes vermelhas.
Este efeito das plantas aquáticas floridas parece um quadro da última fase impressionista de Monet, luz, cor e efeitos fugidios.
No caminho da Comprada uma maia amarela em Abril. Coisas da natureza.
Olhei para trás, já começam a cair as primeiras pingas nas serra, a casa também não fica longe!
O sobreiro e a parede sempre ali estiveram a ver quem cai primeiro, os Pereiros são já ali.
A montante da ponte, no leito do ribeiro foi aplicado um lajeado de pedra que permite uma maior velocidade da água e evita que esta enfraqueça as fundações da ponte.
A ponte ligava também os domínios senhoriais dos Caiado Ferrão, fazia a ligação entre o Barreiro e as Olgas. A jusante do ribeiro, do lado de Freixiel, tem um aqueduto de escoamento de águas, de razoáveis dimensões, que faz a drenagem dos terrenos das Olgas a montante, por sinal bastante alagadiços. Do lado oposto, também a jusante do ribeiro, existe outra saída de água mas mais pequena.
Não tem qualquer elemento que permita fazer a sua datação precisa. Na minha modesta opinião a ponte das Olgas não é medieval e muito menos romana! O seu elegante arco de volta perfeita não justifica tudo! A ponte liga Pereiros e Freixiel mas também os domínios senhoriais dos Caiado Ferrão, o Barreiro e as Olgas. O aparelho de granito envelhece com o passar dos séculos, cria musgo o que não é o caso. Mesmo o lado virado a nascente, ou seja, ao temporal está em óptimo estado. A ponte tem funções agrícolas, serve para drenar águas das propriedades a montante, poderia estar ligada a investimentos agrícolas feitos nas Olgas, nomeadamente à plantação de vinhedos, a grande riqueza dos Caiado antes da Filoxera.
A plantação maciça de vinhedos em Portugal e, em especial em Trás - os -Montes e Alto Douro, ocorreu a partir de meados do século XVII, período áureo na produção de vinho apenas interrompido pela Filoxera no último quartel do século XIX. a Filoxera transformou-se na praga mais devastadora da viticultura mundial, alterando profundamente a distribuição geográfica da produção vinícola, duraria quase meio século. Muitos produtores de vinho conseguiram,mais tarde, refazer as suas vinhas, outros, como foi o caso dos Caiado, abandonaram esta cultura.
Se tivesse que arriscar uma datação para a ponte seria aqui a meio deste período, século XVIII até inícios do século XIX. Mandada construir ou patrocinada pela principal família senhorial de Pereiros.
O facto da ponte não ter qualquer datação não quer dizer que não possa ser feita através de outras fontes directas ou indirectas. Espero que toda a investigação que está a ser levada a cabo por Cristiano Morais de Freixiel sobre a Ordem dos Hospitalários e o antigo concelho de Freixiel possa trazer alguma luz sobre a ponte das Olgas.
A plantação maciça de vinhedos em Portugal e, em especial em Trás - os -Montes e Alto Douro, ocorreu a partir de meados do século XVII, período áureo na produção de vinho apenas interrompido pela Filoxera no último quartel do século XIX. a Filoxera transformou-se na praga mais devastadora da viticultura mundial, alterando profundamente a distribuição geográfica da produção vinícola, duraria quase meio século. Muitos produtores de vinho conseguiram,mais tarde, refazer as suas vinhas, outros, como foi o caso dos Caiado, abandonaram esta cultura.
Se tivesse que arriscar uma datação para a ponte seria aqui a meio deste período, século XVIII até inícios do século XIX. Mandada construir ou patrocinada pela principal família senhorial de Pereiros.
O facto da ponte não ter qualquer datação não quer dizer que não possa ser feita através de outras fontes directas ou indirectas. Espero que toda a investigação que está a ser levada a cabo por Cristiano Morais de Freixiel sobre a Ordem dos Hospitalários e o antigo concelho de Freixiel possa trazer alguma luz sobre a ponte das Olgas.
O património de Pereiros não são apenas as pedras, são também as pessoas. Ainda tive tempo para dois dedos de conversa com o sr. Alexandre sobre o ribeiro, sobre os anos de chuva e de seca, sobre a vida...
Os burros estão em vias de extinção, dizem os órgão de comunicação social com alarido, nos Pereiros ainda há alguns bem à vista! (quantos haverá por esse país abaixo... em vias de extinção não estão com certeza.)
Um último olhar de conjunto e fiz-me ao caminho, o objectivo é o moinho.
Entre a ponte e o caminho que desce para os Moinhos são menos de 500 metros. o carreiro que lhe dá acesso através do lameiro nada existe, foi encoberto pelo monte e por ervas de um forte colorido amarelo. Mas, ele aí está! ou o que resta. As ruínas do moinho e o seu canal de água. Tenho a ideia de que a parede frontal ao ribeiro caiu há poucos anos, ainda me lembro dela direita coberta de trepadeiras.
Mesmo em frente ao moinho o ribeiro acalma, as águas ficam mais paradas, formam um poço; era aqui que as mulheres lavavam a roupa e a punham a corar ao sol. Do que mais me lembro era do formigueiro enorme dentro do moinho e das formigas grandes vermelhas.
Em vez de continuar o caminho decidi subir o ribeiro. Consegui apenas durante umas dezenas de metros, a vegetação e a água impediam que se progredisse mais. Subi a parede para ver o canal do moinho.
Este efeito das plantas aquáticas floridas parece um quadro da última fase impressionista de Monet, luz, cor e efeitos fugidios.
O canal levava a água por gravidade para o moinho de forma a haver força suficiente para fazer funcionar a roda de moer os cereais. Este canal é interessante pelas suas dimensões e pela sua elegância de linhas com três grandes aberturas que permitem a circulação. Estes moinhos de água eram bastante comuns nos ribeiros com algum caudal e no rio Tua com as sua típicas açudes.
Nos moinhos do Joaquim Moreira um autêntico jardim, um lilás enorme completamente florido num recanto junto ao tanque de água. Daqui a vista soberba para as Cortiçadas mesmo em frente.
Voltei para trás, para o Barreiro, os pinhais ainda nos fazem lembrar como era a parte alta dos Pereiros antes dos sucessivos incêndios.
Apanhei o caminho outra vez, o campo de futebol anda pouco utilizado, as balizas precisavam de uma pintura nova... deixei o sobreiro de guarda - redes e fui andando para casa está a escurecer e quase a chover.
No caminho da Comprada uma maia amarela em Abril. Coisas da natureza.
Olhei para trás, já começam a cair as primeiras pingas nas serra, a casa também não fica longe!
O sobreiro e a parede sempre ali estiveram a ver quem cai primeiro, os Pereiros são já ali.
Foi engraçado rever alguns dos lugares onde, em criança, passei dias bem passados. O ribeiro da ponte onde inventava maneiras de entreter as horas enquanto a tia lavava ... e quantas vezes briquei no lameiro dos moinhos à espera que o sol corasse a roupa, sempre na companhia da minha "preocupada e ciosa" tia Adelaide. Continua, óptimo trabalho! Ana
ResponderEliminarBelas imagens. Alguns locais certamente nunca lá estive. Muitas vezes olhamos e não vemos. A grande pedra, fotografada pelo Hernâni junto ao vale, parece dizer: estou aqui há uns 13 biliões de anos, desde o dia do "Big Bang", para quê saír daqui... desde criança que admiro esta pedra. Depois temos Codeçais e ao longe, à noite, podemos ver a iluminação de Murça que, na minha infância, eu pensava ser Lisboa.
ResponderEliminarQuando somos pequenos, o nosso mundo acaba na linha do horizonte.
Finalmente temos as imagens do que de melhor há na nossa aldeia.
Raúl Figueiredo
Ao contemplarmos os grandes blocos de granito da nossa terra, não podemos deixar de nos lembrar das famosas estátuas da Ilha da Páscoa. Se os seus escultores do sec. XIII tivessem passado pela nossa aldeia, encontrariam matéria prima em abundância para as suas magestosas obras.
ResponderEliminarRaúl Figueiredo
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