Sentei-me aqui, nesta tarde tempestuosa de Maio. Sozinho, pensativo, pendurado na beira do paredão da centenária via-férrea, a olhar o rio Tua.
O silêncio é do tamanho das serranias e dos gigantescos
maciços de granito, cortado, aqui e ali, pelo chilrear de pássaros nos sobreiros
suspensos sobre o abismo à minha frente.
As memórias assaltam-me o pensamento
mas, fico quieto, parado. Ao longe, para lá da Pedra Seixa, oiço o ranger das ferragens do velho
comboio a vapor, misturadas com o ritmo compassado das rodas sobre os
carris e o ofegar da fumaça que sai em cachos pela chaminé.
Uma vibração súbita, um arrepio, a ribeira lá ao fundo, passou a ponte da Cabreira...
Qualquer coisa me transporta para
longe, me aconchega, se sobrepõe a tudo. Fica um nó na garganta, uma
estranha angústia que acalma e me conforta; a sensação de que é preciso
ficar mais tempo, apurar os sentidos.
O silêncio é apenas aparente.
Vou despertando aos poucos, o rio corre
rápido com um ruído rouco e surdo, o cheiro das ervas e do mato cruzam-se em
aromas doces e suaves que sempre conheci; o perfume singelo das maias contrasta
com o cheiro cortante e persistente da resina das estevas; os tons verdes
intensos, misturados com outras manchas coloridas, algum grande pintor deixou
na minha memória; a brisa forte, amena, trazida por uma trovoada distante,
acaricia-me a face, reprime uma lágrima rebelde, desperta-me o espírito.
Tudo
isto se vai misturando aos poucos, tomando forma, ocupando o espaço.
O comboio a vapor passou por mim ou viajava nele?
O tempo também foi ficando, trazido pela
suave e murmurante corrente do rio ou, levado para longe, em estrondo, por entre as pedras,
pelos rápidos de espuma.
– Afinal, eu sempre aqui estive.
A vida é apenas um percurso, um horizonte
longínquo!...
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