BEM – VINDO
O objectivo deste blog é duplo, dar a conhecer Pereiros de Ansiães, a sua história, a sua paisagem, o seu património e as suas tradições; é também uma forma de fazer aquilo que eu gosto, de partilhar emoções e memórias.

sábado, 17 de abril de 2010

PONTE DAS OLGAS

Neste "Abril de águas mil" o tempo está incerto, a meio desta tarde de Sábado o sol aquece bem mas é uma ameaça de tempestade. Entre os penhascos graníticos as cores da Primavera vão despontando aqui e ali. Quase à chegada o primeiro aguaceiro lembra-me que hoje posso ter de ficar em casa! Vamos ver. Por enquanto só chove nos Codeçais e de além do rio.
Como o tempo meteorológico está capaz de se vingar de percursos longos e o tempo do relógio não pára, vou fazer um passeio pequeno: Barreiro, Ponte das Olgas, Moínhos, Campo de Futebol e Pereiros outra vez. Quero ver o ribeiro num ano de muita chuva como este.
Saio de Pereiros pela Cortinha do Carvalho até ao Barreiro, subo até mesmo ao topo, uma perspectiva da aldeia que já não apreciava há muito tempo. Era aqui que uns dias antes do Carnaval se faziam os "casamentos". Os "casamentos" de Carnaval obrigavam a que houvesse duas equipas de rapazes casamenteiros, uma aqui no alto do Barreiro e outra bem no cimo da aldeia, no alto do Cabeço, mesmo em frente. De forma mais ou menos brejeira, ninguém (por casar) lhes escapava, solteiros, solteirões, solteiras, solteironas, viúvas e viúvos. Por um funil, gritavam-se uns versos, previamente feitos e mantidos em segredo, num diálogo constante entre os dois lados da aldeia, acompanhados de fogo de artifício para fazer a festa. Todo este ritual pagão realizava-se por volta da meia-noite.

O Barreiro e a sua cerca envolvente pertenceu em tempos à nobre e fidalga família Caiado Ferrão. Segundo o meu avô, Adelino Pinheiro, o velho Caiado Ferrão tinha assento nas Cortes em Lisboa e cumpria a sua obrigação vestido de fraque e cartola. Era ele que tinha o gosto pelas plantas exóticas que trazia para sua casa senhorial e respectiva cerca: eucaliptos, lilás, alecrim, oliveira de cheiro e estes cactos.

Do solar falarei mais tarde, o céu está carregado, é tempo de descer o Barreiro até à ponte.


Pelo caminho ainda dá para ver uma torga branca e perfumada, mais rara do que as roxas.

Basta descer a encosta de sobreiros e pinheiros para vermos a ponte atravessando o vale coberto de ervas floridas. Ao fundo a Mata imponente no seu gigantesco anfiteatro de granito.

No alto da Mata destaca-se uma formação granítica curiosa a que as pessoas dos Pereiros chamam a Pena ou a "Mulher Prenhada". A mata com os seus sobreiros centenários e os seus bosques de castanho pertencia também aos Caiado. Em tempos havia medronheiros. Como dizia o meu avô, o "Pedro velho" tinha um óculo e do alto do Barreiro vigiava o pastoreio nos seus domínios até ao alto da Mata. Se alguém ousasse entrar, sem a sua autorização, levava uma "coima", expressão que eu ainda ouvi, várias vezes, à "Amélia do Pedro" que ficou com o uso-fruto de todos os bens.

Da ponte pode observar-se toda a serra donde nascem os ribeiros que a justificaram, os Termos, os Grichos e os Carvalhais. Em anos de muita chuva como este ou durante grandes trovoadas o caudal do ribeiro é assinalável.

Esta ponte ligava a aldeia de Pereiros à sua sede de concelho - Freixiel. Por isso tinha, com certeza, importância política e administrativa. É construída por um fino aparelho de granito de boas dimensões o que lhe dá um aspecto sólido e robusto. Tem um corpo central quadrado bem marcado com um arco único de volta perfeita ou redondo. Deste corpo central prolonga-se para os dois lados, adaptando-se ao vale o que lhe confere uma forma de conjunto arqueada. Esta forma harmoniosa tem também uma função prática, facilita o escoamento das águas pluviais protegendo a ponte das intempéries. Na sua parte superior o caminho é revestido por um lajeado de granito largo que a protege das infiltrações de água.

A montante da ponte, no leito do ribeiro foi aplicado um lajeado de pedra que permite uma maior velocidade da água e evita que esta enfraqueça as fundações da ponte.



A ponte ligava também os domínios senhoriais dos Caiado Ferrão, fazia a ligação entre o Barreiro e as Olgas. A jusante do ribeiro, do lado de Freixiel, tem um aqueduto de escoamento de águas, de razoáveis dimensões, que faz a drenagem dos terrenos das Olgas a montante, por sinal bastante alagadiços. Do lado oposto, também a jusante do ribeiro, existe outra saída de água mas mais pequena.


Não tem qualquer elemento que permita fazer a sua datação precisa. Na minha modesta opinião a ponte das Olgas não é medieval e muito menos romana! O seu elegante arco de volta perfeita não justifica tudo! A ponte liga Pereiros e Freixiel mas também os domínios senhoriais dos Caiado Ferrão, o Barreiro e as Olgas. O aparelho de granito envelhece com o passar dos séculos, cria musgo o que não é o caso. Mesmo o lado virado a nascente, ou seja, ao temporal está em óptimo estado. A ponte tem funções agrícolas, serve para drenar águas das propriedades a montante, poderia estar ligada a investimentos agrícolas feitos nas Olgas, nomeadamente à plantação de vinhedos, a grande riqueza dos Caiado antes da Filoxera.
A plantação maciça de vinhedos em Portugal e, em especial em Trás - os -Montes e Alto Douro, ocorreu a partir de meados do século XVII, período áureo na produção de vinho apenas interrompido pela Filoxera no último quartel do século XIX. a Filoxera transformou-se na praga mais devastadora da viticultura mundial, alterando profundamente a distribuição geográfica da produção vinícola, duraria quase meio século. Muitos produtores de vinho conseguiram,mais tarde, refazer as suas vinhas, outros, como foi o caso dos Caiado, abandonaram esta cultura.
Se tivesse que arriscar uma datação para a ponte seria aqui a meio deste período, século XVIII até inícios do século XIX. Mandada construir ou patrocinada pela principal família senhorial de Pereiros.
O facto da ponte não ter qualquer datação não quer dizer que não possa ser feita através de outras fontes directas ou indirectas. Espero que toda a investigação que está a ser levada a cabo por Cristiano Morais de Freixiel sobre a Ordem dos Hospitalários e o antigo concelho de Freixiel possa trazer alguma luz sobre a ponte das Olgas.

O património de Pereiros não são apenas as pedras, são também as pessoas. Ainda tive tempo para dois dedos de conversa com o sr. Alexandre sobre o ribeiro, sobre os anos de chuva e de seca, sobre a vida...

Os burros estão em vias de extinção, dizem os órgão de comunicação social com alarido, nos Pereiros ainda há alguns bem à vista! (quantos haverá por esse país abaixo... em vias de extinção não estão com certeza.)

Um último olhar de conjunto e fiz-me ao caminho, o objectivo é o moinho.

Entre a ponte e o caminho que desce para os Moinhos são menos de 500 metros. o carreiro que lhe dá acesso através do lameiro nada existe, foi encoberto pelo monte e por ervas de um forte colorido amarelo. Mas, ele aí está! ou o que resta. As ruínas do moinho e o seu canal de água. Tenho a ideia de que a parede frontal ao ribeiro caiu há poucos anos, ainda me lembro dela direita coberta de trepadeiras.




Mesmo em frente ao moinho o ribeiro acalma, as águas ficam mais paradas, formam um poço; era aqui que as mulheres lavavam a roupa e a punham a corar ao sol. Do que mais me lembro era do formigueiro enorme dentro do moinho e das formigas grandes vermelhas.

Em vez de continuar o caminho decidi subir o ribeiro. Consegui apenas durante umas dezenas de metros, a vegetação e a água impediam que se progredisse mais. Subi a parede para ver o canal do moinho.



Este efeito das plantas aquáticas floridas parece um quadro da última fase impressionista de Monet, luz, cor e efeitos fugidios.

O canal levava a água por gravidade para o moinho de forma a haver força suficiente para fazer funcionar a roda de moer os cereais. Este canal é interessante pelas suas dimensões e pela sua elegância de linhas com três grandes aberturas que permitem a circulação. Estes moinhos de água eram bastante comuns nos ribeiros com algum caudal e no rio Tua com as sua típicas açudes.


Nos moinhos do Joaquim Moreira um autêntico jardim, um lilás enorme completamente florido num recanto junto ao tanque de água. Daqui a vista soberba para as Cortiçadas mesmo em frente.

Voltei para trás, para o Barreiro, os pinhais ainda nos fazem lembrar como era a parte alta dos Pereiros antes dos sucessivos incêndios.

Apanhei o caminho outra vez, o campo de futebol anda pouco utilizado, as balizas precisavam de uma pintura nova... deixei o sobreiro de guarda - redes e fui andando para casa está a escurecer e quase a chover.

No caminho da Comprada uma maia amarela em Abril. Coisas da natureza.

Olhei para trás, já começam a cair as primeiras pingas nas serra, a casa também não fica longe!


O sobreiro e a parede sempre ali estiveram a ver quem cai primeiro, os Pereiros são já ali.

sábado, 10 de abril de 2010

PÁSCOA - 2010

A Páscoa tem sabores, cores, luz e cheiros próprios da nossa infância; lembra-nos a Primavera, os dias maiores, as grandes celebrações da Quaresma, o Domingo de Ramos, os folares,a festa... por isso, só faz sentido na aldeia. As pessoas, mesmo os que estão longe, regressam todos os anos.

Cruz cimeira da igreja
Flores de pereira

Sino grande da igreja de Pereiros. O sino marcou e marca a vida das pessoas ao longo de centenas de anos, todos os ritmos diários, o toque das trindades, o nascimento e a morte, as festas e as romarias.

Flores silvestres no Barreiro

Lilás

Fachada da igreja de Pereiros do quintal de João B. Pinheiro

Igreja de Pereiros vista lateral através das fores de pessegueiro

Flores de pereira

A Páscoa é assim, morte e ressurreição, simbolizada pela cruz e por este elegante fogaréu que representa a luz e a salvação.



Igreja Matriz de Pereiros de Ansiães - Fim de tarde do dia de Páscoa



Toque de Páscoa tradicional aqui executado por Joaquim Coelho.
Tocar o sino é uma forma de reviver todas as Páscoas passadas na aldeia. Antigamente os rapazes tinham que esperar pela sua vez para tocar.



o Raul enviou este texto que ilustra bem a visita pascal.

Não fui à Pascoa e tenho pena. No Sul, só nos lembramos porque os supermercados estão cheios de amêndoas, há o feriado e pouco mais. Lembro-me muitas vezes Como era a Páscoa em Pereiros nos idos anos 60. Grandes limpezas nas casas e na rua, as flores por todo o lado, os folares, os sinos a tocar todo o dia e as visitas pascais.

É claro que a comitiva da visita chegava ao fim "pouco católica" depois de beberem tantos cálices...


As memórias de infância ficam registadas como um filme que temos guardado.Ainda a propósito da Páscoa em Pereiros, lembrei-me de um pequeno episódio no início dos anos 60.

Esteve na nossa Paróquia um sacerdote chamado Padre Cordeiro. Quem se lembra dele, sabe que ele era um pouco "avançado" para a época. Tinha também uma particularidade: coxeava de uma perna. Na visita pascal, quando já a meio das visitas, justificava-se irem todos "ao balão".

Quando visitou a nossa casa, a minha mãe reparou que o equilíbrio dele estava um pouco afectado, então disse-lhe: Sr. Padre tenha cuidado porque pode cair.

Respondeu o Padre Cordeiro: D. Leonor, fique descansada porque eu já sou coxo há muitos anos...


Raúl Figueiredo


sexta-feira, 2 de abril de 2010

VISTA GERAL


A vista e a paisagem de Pereiros surpreende pela sua diversidade. Para quem se dirige de Carrazeda de Ansiães ou Vila Flor, deixa os espaços abertos entre o Mogo, Samorinha, Zedes e, precipita-se, de repente, numa descida desenfreada para um novo espaço - o vale do Tua. A estrada serpenteia como uma montanha russa ladeada de formações graníticas gigantes, de colinas agrestes e profundas. Conforme se "cai", Pereiros aparece logo, lá ao fundo, entre os pinheiros ou um penhasco. A aldeia ao longe tem qualquer coisa de telúrico, enquadra-se na paisagem envolvente como um presépio de granito pintado aqui e ali por telhados vermelhos.Enquanto se tem a ideia de cair para um buraco, um espaço enorme, quase sem fim, abre-se à nossa frente, o vale do Tua até perder de vista - Nossa Senhora da Assunção, os Folgares espreitam pendurados na serra, Abreiro, Sobreira... já no concelho de Mirandela, Murça mesmo em frente... no limite a Serra dos Passos perfila-se lá longe ao nível dos nossos olhos. Do Alto do Termo, num dia de céu limpo, consegue ver-se a Serra do Alvão com as suas torres eólicas minúsculas.












A torre da igreja emerge ao longe seja qual for a nossa perspectiva, destaca-se e integra-se na paisagem, mistura-se no granito envolvente. Nem sempre foi assim. No seu Barroco original, a torre, a fachada, e todo o corpo da igreja, o branco da cal contrastava com o escuro do granito. Este aspecto rústico é relativamente recente, dos finais do século XX.












Do alto da torre da igreja a vista não tem fim, desde o alto do "castelo", o Carvalhal, a Mata, a Serra Tinta ou todo o vale do Tua estão ao nosso alcance.






Quando se chega finalmente a Pereiros apenas meia jornada está concluída, um novo mundo, outra descida vertiginosa até ao rio começa...
Como dizia o meu tio, João Baptista Pinheiro: "É UM BURACO! MAS É O BURACO MAIS BONITO DO CONCELHO!"