BEM – VINDO
O objectivo deste blog é duplo, dar a conhecer Pereiros de Ansiães, a sua história, a sua paisagem, o seu património e as suas tradições; é também uma forma de fazer aquilo que eu gosto, de partilhar emoções e memórias.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Solestício de Verão




      Pereiros de Ansiães, Alto do Termo para poente - Aero-geradores, serra do Alvão



Salve, berço do nome lusitano!
Nesta manhã solene.
Que, em volver de ano e ano,
Jamais acabará que a apague o tempo
Da saudosa memória;
Nesta manhã de glória
A ti veio, a ti venho, asilo santo
Da lusitana antiga liberdade.

Tuas lobregas cavernas
Me serão templo augusto e sacrossanto,
Aonde da Razão e da Verdade
Celebrarei a festa.

Ouça-me o vale, o outeiro,
Escute-me a floresta
Aonde do seguro azambujeiro
Seus cajados cortavam
Os pastores de Luso,
Que a defender a pátria e a liberdade
Nesses tempos bastavam
De honra e lealdade.


Almeida Garrett, Viriato 

domingo, 19 de junho de 2011

RIO TUA



Há coisas que serão sempre nossas… mesmo quando não nos pertencem. Num mundo onde tudo se mede pelo seu valor facial, ou por títulos de propriedade, nem sempre o mais importante pode ser avaliado assim. Se aquilo que nós carregamos fosse apenas o que se pode comprar ou vender seriamos uns pobres de espírito.
Por isso, uma parte do rio Tua é minha! Só minha.
Eu sei que outros poderão dizer o mesmo. Ainda bem! Todos temos os mesmos direitos. Afinal o rio é de todos os que sentem o mesmo que eu, uma espécie de sociedade anónima onde todos investimos uma parte das memórias das nossas vidas. Poderia dizer que tenho este gosto pelo rio Tua, de Mirandela até à foz, é verdade… mas, aquele troço que fica no termo de Pereiros, entre as estações de Codeçais e Abreiro, na ponte da Cabreira, esse é mesmo, mesmo meu! Antes que o rio seja afogado prometi a mim mesmo que tenho que cá vir mais vezes. Neste início de Maio, o efeito que tudo isto tem sobre mim é tão forte que é apenas comparável à promessa de tempestade que se aproxima, a  única interrogação é porque não vim mais cedo.
Antigamente, o percurso para cá chegar não era fácil, por isso, ir ao rio não era um hábito frequente, era um desafio enorme, imponente como toda a paisagem que o rodeia. Descia-se todas aquelas serranias por íngremes caminhos de pedras, por veredas e carreiros de cabras. A ribeira não tinha uma ponte, saltava-se de pedra em pedra. Era outro mundo, outra dimensão, por isso tão marcante. Uma boa hora e meia de caminho. Passava-se lá o dia ou a noite. Hoje parece mais perto, quando não se vai a pé!
O rio Tua faz parte da nossa vida, habituei-me a ouvir as histórias e aventuras do meu avô, uma parte da sua vida de trabalho quando tinha por lá as azenhas e se dedicava ao negócio da farinha.
Ninguém contava histórias como ele!
Quando desci ao Tua pela primeira vez era muito pequeno. Fomos todos! Os mais pequenos a cavalo, a promessa de ir à pesca, a merenda, o medo de ficar a noite… ver passar o comboio a vapor, os banhos intermináveis nas águas mornas de Verão!
Uma grande aventura.
Era também chegada a hora de confrontar o lado tenebroso do rio, de imaginar nas pedras, nas árvores a dimensão assustadora das cheias, das noites de invernia, quando submergia a Pedra Seixa e em remoinhos enormes quase chegava à linha. As pedras que restavam da velha azenha onde o meu tio adolescente e o Jaime Borges ficaram isolados, pendurados aos gritos no telhado, numa das maiores cheias de que havia memória. O meu avô, rodeado dos netos, contava tudo isto com grande subtileza nos detalhes, com emoção no brilho dos olhos, mas não como uma tragédia, como alguém que se agarrou ao rio, que lhe sobreviveu e que tinha por ele um respeito e uma paixão desmedidas. Estas foram das maiores expedições da minha infância, todo o meu mundo cabia ali naquelas escarpas gigantescas, rudes e nas águas calmas do Tua.
Aos dez anos meteram-me finalmente no comboio, juntamente com uma mala muito maior do que eu, na estação de Codeçais e entregaram-me ao revisor (o revisor era o senhor Luciano de Codeçais e o filho dele, o Daniel, era o meu companheiro nesta nova grande aventura, por isso, estávamos bem entregues) e fui estudar para Vinhais. Naqueles dois anos só vinha a casa nas férias, quando passava a estação de Abreiro já vinha pendurado na janela para ver passar a ponte da Cabreira e a Pedra Seixa, já estava em casa!
Quando vim para Mirandela tudo parecia mais perto. Ir a pé da estação de Codeçais para os Pereiros era uma dura rotina. Como a subida era para casa, até parecia mais perto! Foi por esta altura que a linha do Tua começou a entrar em decadência, os horários dos comboios foram reduzidos e não paravam em todas as estações. Foi aqui que as minhas expedições ao rio se mostraram muito úteis quando, no Inverno de 1973, saí de Mirandela, no último comboio da tarde e tive de sair na estação de Abreiro. Estupefacto por ninguém me ter avisado de que o comboio não parava na estação de Codeçais, fiz-me ao caminho, linha abaixo. Quando cheguei à Pedra Seixa e à ponte da Cabreira já era de noite… nunca o caminho do rio me tinha parecido tão longe, as montanhas tão altas e ameaçadoras, os sons da noite tão estridentes e confusos e, ainda faltava muito caminho para casa!
Durante toda a minha adolescência a rapaziada de Pereiros, no Verão, ia ao rio passar o dia, tomar banho, à pesca… era um ritual de grupo, quase de iniciação à vida adulta. Mais tarde ainda lá voltei, várias vezes, com o meu tio à caça dos javalis, das perdizes e dos patos. Estes estavam novamente a repovoar o rio e a ribeira e nós queríamos experimentar um pato no formo como a minha avó fazia no tempo da azenha!...
Talvez um dia conte todas estas histórias.